Somos Cidadãos desta Terra … Somos Cosmopolitas

1-Permitam-me que comece com um ponto breve, que aparentemente – só aparentemente – não tem a ver com o que se debate nesta Assembleia. Somos de Coimbra, amamos a nossa cidade, importa-nos o que aqui se passa, mas também somos cidadãos do mundo e interessa-nos o que rodeia as nossas vidas. Somos cidadãos desta terra mas também somos cosmopolitas.
Donald Trump foi eleito presidente dos EUA, mesmo não tendo tido a maioria dos votos dos que foram às urnas. Como está dito e redito, foi um choque para quem tem uma visão civilizada da política e uma ameaça para quem dá valor à paz, à solidariedade, aos direitos e, enfim, a formas de governo transparentes, democráticas, inclusivas e, portanto, progressistas. Não vou analisar as causas. Vou apenas sublinhar um comentário muitas vezes feito. Quando a política se desliga dos cidadãos, quando se torna obscura, quando deprime e instabiliza as sociedades que governa, quando não é fonte de respeito e de respostas para os anseios das pessoas, é a própria democracia que se põe em risco, dando origem a momentos grosseiros, tão tristes e tão perigosos com os que vivemos. Quando a democracia se esquece de si própria, quando deixa assuntos nobres sem resposta, outros lhe ocupam o lugar. Este é um desses momentos. Creio que não fica mal a esta Assembleia assinalá-lo aqui. Com tristeza, com preocupação e com energia para que não seja mais assim.
2- A matéria da minha intervenção é, no entanto, outra. É, como deve ser, sobre a nossa cidade. A Câmara aprovou na sua última reunião o concurso para as obras da chamada Via Central. Mas não agiu no sentido que aqui foi proclamado na sessão de 30 de junho. Não é uma intervenção de regeneração urbana, não é para passar o Metro Mondego (sobre o qual nada se sabe), não inclui a recomposição do tecido urbano esventrado, não é parte de um programa de revitalização e desenvolvimento da baixa, não é, enfim, o projeto do Arq. Gonçalo Byrne. É a abertura de uma via de trânsito automóvel, sem mais nada que a qualifique. Se fosse para o Metro, porque haveria de ser um investimento de 700 mil euros por parte do Município, se essa obra é da SMM? Se fosse para a regeneração urbana da baixa, para quê gastar 700 mil euros numa via quando podiam ser gastos na própria regeneração urbana?
Quero reafirmar aqui, de forma clara, a posição tantas vezes reiterada do CpC. A prioridade para a baixa devia ser requalificar urgentemente aquela zona esburacada e em degradação. Devia ser investir nos edifícios e em tudo o que os circunda. Desenvolver o centro de uma cidade de enorme qualidade devia ser o grande projeto de uma década. Não numa estrada para trânsito automóvel. O concurso aberto, tal como entendemos, parece contrariar tudo o que foi dito nesta AM quando nos foi dito que seguia o projeto de Gonçalo Byrne, que era para o Metro e que incluía a requalificação da malha urbana. O concurso aberto parece confirmar tudo o que aqui dissemos quando denunciámos que era uma intervenção sem estratégia que não fosse a de abrir uma via automóvel, ignorando a intervenção no edificado e não dispondo de uma visão para desenvolver o centro da cidade. Mais uma demolição, portanto. O que então se apregoou continua a constar das telas expostas ali ao lado. Mas apenas isso. A linha errada prossegue ao arrepio da prudência e da qualidade que Coimbra merece. Propusemos esta discussão à cidade, trouxemo-la a esta Assembleia. Ambas a reconheceram como importante. É nosso dever dizer aqui hoje o que acaba de ser dito.
Nenhuma intervenção urbana de qualidade se faz nos dias de hoje sem debate, sem exposição pública, sem envolvimento das populações, sem explícita e detalhada apresentação da estratégia, dos objetivos, da sequência pensada entre as várias intervenções. Devia ser assim para a intervenção na baixa, para a gestão de S. Francisco ou para a intervenção nos muros do rio e para a qualificação das suas margens, em ligação com a cidade (neste caso, não é com a 3 linhas e meia da informação do senhor Presidente da Câmara a esta Assembleia que isso se faz). Mas infelizmente em Coimbra faz-se mal e, por isso, somos oposição declarada. Somo-lo porque tudo nos distingue do modo de fazer política que prevalece em Coimbra. Mas somo-lo, principalmente, porque é assim, é nestas condições, que vemos Coimbra apoucar-se no país e perder, cada vez mais, o estatuto que as suas caraterísticas ímpares no panorama urbano do país lhe deviam garantir. Nenhuma cidade neste país, fora das áreas metropolitas tem a seu favor uma dimensão de 150 mil pessoas e uma polarização de perto de 400 mil. Nenhuma cidade tem as funções elevadas que Coimbra tem. E, no entanto, as dinâmicas de Coimbra tão pouco têm a ver com tais características, são mesmo incompatíveis com elas.
Para Coimbra se sentir mal já basta o que tem acontecido no país desequilibrado que se acentuou nos últimos anos e que concentra em Lisboa um modelo de desenvolvimento baseado no enorme afluxo de pessoas, jovens, qualificadas, e, no entanto, sujeitas à precariedade e a baixos salários. Do que Coimbra não precisava, neste contexto, é de ela própria ter como prioridade fazer demolições para abrir mais uma via de transito para automóveis.
16 de novembro de 2016.
José Reis, em nome do movimento Cidadãos por Coimbra